Manejo de secas e inundações no
semiárido nordestino brasileiro:
o caso da conservação


Victor M. Ponce


[Traduzido do Inglês por Samara Salamene]



1.  INTRODUÇÃO

A região do Nordeste do Brasil abriga uma grande extensão semiárida conhecida como sertão. Ela abrange cerca de 900.000 km2 (347,000 mi2) nos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Minas Gerais (Fig. 1). A região está sujeita a secas recorrentes, que são frequentemente seguidas por inundaçõe. Um evento individual de seca ou inundação pode não afetar toda a região semiárida do Nordeste (referida no Brasil como o Polígono das Secas), mas pode ter intensidade e magnitude suficientes para justificar medidas de emergência. Porções do sertão recentemente (1990-93) sofreram uma seca severa de três anos, afetando cerca de 11 milhões de pessoas.

Uma questão que se repete nos círculos científico, profissional e político é como gerenciar efetivamente o ciclo de secas e inundações do Nordeste brasileiro. Após a Grande Seca de 1877-79, o governo brasileiro iniciou uma série de políticas e estratégias para combater as secas. Essas políticas visavam fornecer os meios para armazenar água para uso durante longos períodos de seca. Depois de mais de um século de experiência, chegou a hora de reavaliar essas políticas. O objetivo é buscar uma solução mais sustentável para o ciclo de secas e inundações no sertão. "Sustentável" implica uma solução de longo prazo, com benefícios medidos em décadas e até séculos, em vez de meses e anos. A resposta está na conservação do solo, água, nutrientes e vegetação nativa, com o objetivo de deter o atual espiral de dessecação ambiental. Isso eventualmente tornará possível a reversão para climas nano, micro e regionais de menor aridez.

Limits of drought polygon in the semiarid Brazilian Northeast

Fig. 1  Limites do Polígono da Seca no semiárido nordestino brasileiro.


2.  AS SECAS NO NORDESTE BRASILEIRO: PERSPECTIVA HISTÓRICA

No século XVII, pelo menos seis secas foram documentadas no nordeste brasileiro: 1603, 1606, 1614, 1645, 1652 e 1692 (Guerra, 1981; Rebouças e Marinho, 1972). Em sua obra clássica Os Sertões , Cunha (1991) lista as principais secas dos séculos XVIII e XIX: 1710-11, 1723-27, 1736-37, 1744-45, 1777-78 e 1808-09, 1824-25 , 1835-37, 1844-45, 1877-79. No entanto, outros estudos parecem indicar que a recorrência de secas no sertão é uma vez a cada onze anos, em média. No século XX, os períodos de seca documentados são: 1903-04, 1915, 1919, 1930-32, 1942, 1953, 1958, 1970, 1979-83 e 1990-93, com algumas variações espaciais na cobertura dentro do polígono da seca .

A seca de 1877-79, que matou mais de 500.000 pessoas, levou o governo brasileiro a formular, pela primeira vez, políticas e estratégias para combater os efeitos das secas. Em 1881, uma comissão chefiada pelo engenheiro francês J. J. Revy estudou vários locais potenciais de barragens no Ceará e, em 1884, recebeu autorização para iniciar a construção da barragem Cedro em Quixadá.

Em 1909, o governo brasileiro estabeleceu a Inspetoria de Obras Contra As Secas (IOCS), encarregando-o de coordenar e unificar as ações do governo no polígono da seca e de desenvolver um amplo plano de combate aos efeitos das irregularidades climáticas. O primeiro diretor do IOCS, Miguel Arrojado Lisboa, encomendou estudos científicos com o objetivo de fornecer informações básicas sobre o solo, a água e os recursos vegetais da região. Os estudos de Lofgren e Luetzelburg, em botânica, e Crandall, Warring, Small, Sopper e Moraes, em geologia e hidrogeologia, ainda são consultados até a presente data (Guerra, 1981).

Em 1919, um ano de seca significativo, a Lei nº 3.965 anunciou um renovado esforço do governo brasileiro, com Epitácio Pessoa como presidente, para combater as secas, autorizando a construção de obras públicas necessárias para irrigar terras aráveis no nordeste brasileiro. A construção de dez grandes barragens foi iniciada em 1921. Infelizmente, o apoio ao esforço diminuiu logo após a seca ter cessado.

Em 1932, também um ano de seca, o governo brasileiro autorizou a construção de várias obras públicas na região afetada. A agora Inspetoria Federal de Obras Contra As Secas (IFOCS) teve o encargo renovado de se concentrar exclusivamente na construção de barragens/reservatórios e obras de irrigação. Dezessete barragens foram concluídas neste período. Em 1937, o apoio ao esforço diminuiu novamente, pois ficou claro que a seca não era mais um problema imediato (Guerra, 1981).

Após a seca de 1958, o Departamento Nacional de Obras Contra Secas (DNOCS), sucessor do IFOCS, iniciou a construção dos grandes reservatórios de Orós, Banabuiú e Araras. Com a importância dos reservatórios de superfície firmemente estabelecidos, o DNOCS embarcou em um programa de construção de pequenas barragens, intitulado Açudagem em Cooperação. As barragens deveriam ser construídas frequentemente em terras privadas e com a cooperação de cidadãos particulares, e com o apoio federal no valor de 50 a 70% do custo do projeto.

Em 1967, o DNOCS estabeleceu o programa Engenharia Rural, que envolveu a construção de pequenas barragens e reservatórios nas regiões de terras altas, reservatórios subterrâneos, perfuração de poços de água, pequenas obras de irrigação e pequenas obras de irrigação e construção e eletrificação rurais. O programa, no entanto, não prosperou, aparentemente devido à falta de entusiasmo demonstrado pelos escritórios regionais encarregados de realizar as obras. Então, ele foi amplamente substituído pelo Projeto Sertanejo.

Além da construção de barragens e reservatórios, o uso das águas subterrâneas tem sido uma ferramenta eficaz para combater as secas no sertão. No estado vizinho do Piauí, a existência de depósitos sedimentares permite uma produção de poços de água de 40.000 a 50.000 litros por hora. Em muitas áreas, apenas um poço tornou possível o sustento de uma cidade pequena. No entanto, o mesmo não pode ser dito para os poços perfurados no Cristalino, uma formação metamórfica composta por gnaises, xistos e anfibólitos, subjacentes à maior parte do sertão. Essa água é de baixa qualidade, rica em sais e imprópria para consumo humano. Além disso, a produção desses poços é pequena, atingindo apenas 2.000 a 3.000 litros por hora.


3.  CENÁRIO ATUAL

Nos últimos 100 anos, o combate às secas no Nordeste brasileiro foi realizado principalmente por meio do armazenamento de águas superficiais. Essa dependência de reservatórios de superfície tem sido referida como a política da Açudagem. Atualmente, existe uma preocupação crescente de que a política da Açudagem possa ter se concentrado no combate aos efeitos, enquanto na maioria das vezes afasta algumas das causas subjacentes às irregularidades climáticas.

Um estudo abrangente das causas das secas e inundações na região Nordeste do Brasil ainda precisa ser realizado. Um primeiro nível de análise está na mesoescala atmosférica, que os humanos parecem quase impotentes para controlar. As correntes oceânicas, a circulação do vento e o efeito El Niño têm sido geralmente atribuídos a diferentes responsabilidades pelas irregularidades climáticas que ocorrem no Nordeste brasileiro.

Um segundo nível de análise está na escala regional, que é amplamente de origem geomorfológica. No nordeste brasileiro, as cadeias montanhosas costeiras agem como barreiras à umidade do oceano, impedindo efetivamente que grandes massas de ar carregado de umidade entrem em regiões do interior. Como na mesoescala, os humanos parecem incapazes de controlar esse componente de escala regional.

Um terceiro nível de análise está na microescala e sua sequência, a nanoescala. A microescala é tipicamente uma captação de segunda a terceira ordem, enquanto a nanoescala é uma captação de ordem zero, ou seja, uma área pequena e distinta de floresta, pastagem ou terra agrícola. Historicamente, são nessas escalas que os seres humanos têm desempenhado um papel significativo como "alteradores climáticos" [ver relato clássico de Denevan (1966) de como os índios mojos pré-hispânicos das planícies bolivianas orientais conseguiram lidar com condições adversas de enchentes e secas]. Através de suas ações ao longo de décadas e séculos, os humanos foram capazes de alterar os micro e nanoclimas da Terra, para melhor ou para pior. Infelizmente, eles podem ter contribuído sem querer para a dessecação do meio ambiente. Esse processo de degradação ambiental agora está se tornando claro demais, embora os princípios básicos tenham sido reconhecidos por um bom tempo.

Em sua narrativa pessoal, o cientista alemão Alexander von Humboldt (Humboldt e Bonpland, 1821) observou profundamente:

"Quando as florestas são destruídas, as fontes secam completamente ou se tornam menos abundantes. Os leitos dos rios, que permanecem secos durante parte do ano, são convertidos em torrentes sempre que grandes chuvas caem sobre as montanhas adjacentes. O pasto e o musgo desaparecem com o mato nas faces das montanhas, as águas que caem da chuva não são mais impedidas em seu curso; e, em vez de aumentar lentamente os níveis dos rios por infiltração progressiva, elas sulcam durante fortes chuvas os lados das colinas, abaixam o solo solto e formam aquelas repentinas inundações que devastam o país. Daí resulta que a destruição das florestas, a falta de nascentes permanentes e a ocorrência de inundações são três fenômenos intimamente relacionados."

O valor das palavras de Humboldt e seu impacto em um contexto global não precisam de explicação. Sua relevância para o problema das secas e inundações no Nordeste brasileiro pode ser facilmente verificada. Enquanto a remoção da vegetação nativa do sertão permanecer descontrolada, os micro e nanoclimas da região continuarão passando por um processo gradual de dessecação, levando a secas e inundações mais intensas.


4.  CLIMA, VEGETAÇÃO E O IMPACTO DAS ATIVIDADES HUMANAS

Paradoxalmente, o Nordeste brasileiro, com seus acentuados gradientes de umidade e diversidade de microclimas, é uma região particularmente adequada para o estudo da relação entre clima, vegetação e atividades humanas. Duque (1973) sugeriu uma classificação das várias regiões ecológicas do polígono da seca, em ordem crescente de umidade, em: (1) seridó, (2) sertão, (3) caatinga, (4) cariri velho, (5) curimatau, (6) carrasco, (7) cerrado, (8) serra, (9) agreste e (10) mata. Essa classificação incorpora um espectro de umidade ambiental, de fato um "laboratório de campo", onde observações criteriosas podem revelar a interação entre clima e vegetação e a extensão da influência humana.

A Tabela 1 mostra as médias anuais de precipitação e as proporções de evaporação/precipitação para várias regiões ecológicas do Nordeste brasileiro. Esta tabela mostra que a taxa de evaporação/precipitação, um parâmetro climático chave, é uma função do tipo de vegetação, tendendo a diminuir com o aumento da umidade do ambiente, à medida que a vegetação muda de xerofítica para mesofítica. No estudo de Duque (1973), a evaporação é interpretada como evaporação medida do recipiente.

TABELA 1.  Taxa anual média de precipitação e razão evaporação/precipitação em várias regiões ecológicas do Nordeste brasileiro (Duque, 1973).
Região Localização Data
(ano)
Precipitação
(mm)
Razão
Evaporação/
precipitação
Seridó Cruzeta, RN 1933-36
1940-46 497 5,8
Seridó Quixeramobim, CE 1912-58 750 2,5
Caatinga Francisco Floresta, PE 1939-58 395 4,8
Caatinga Monteiro, PA 1942-54 489 3,6
Caatinga Paratinga, BA 1947-55 659 3,2
Caatinga Barra, BA 1946-54 692 2,5
Caatinga Juazeiro, CE 1940-54 800 2,5
Caatinga Ibipetuba,BA 1939-58 844 2,2
Sertão Souza, PA 1939-58 750 2,5
Sertão Iguatu, CE 1912-56 838 2,2
Agreste Natal, RN 1940-57 1038 2,0
Agreste Conquista, BA 1931-54 680 1,8
Agreste Pesqueira, PE 1912-43 713 1,7
Agreste Jacobina, BA 1945-55 893 1,5
Agreste Itaberaba, BA 1954 942 1,3
Mata Itabaianinha, SE 1945-55 997 1,1
Mata Ibura, PE 1945-57 1500 0,9
Mata Aracajú, SE 1945-55 1274 0,9
Mata Cruz das Almas, BA 1950-55 935 0,8
Mata Maceió, AL 1923-54 1300 0,7
Mata Teresina, PI 1911-54 1390 0,7
Mata Ondina, BA 1945-55 1831 0,5

O botânico alemão Luetzelburg (1923) conseguiu documentar a relação entre clima, vegetação e atividades humanas no sertão. Ele observou:

"A dizimação das florestas esgotou os sais orgânicos do solo, que foram lavados pelas chuvas torrenciais. Espécies estranhas invadiram terras agrícolas abandonadas, levando gradualmente a uma paisagem mais xerofítica, em sintonia com a crescente aridez do solo. Dessa forma, a vegetação de hoje foi se formando gradualmente: uma caatinga ou carrasco onde antes havia mata com cobertura completa do solo pela vegetação."

Existe uma relação estreita entre clima e vegetação. A questão é até que ponto as atividades humanas podem influenciar esse relacionamento nas várias escalas espaciais e temporais. A complexidade do ambiente natural, com sua infinidade de interações físicas, químicas e biológicas, e a impossibilidade prática de reunir dados adequados a longo prazo, não permite uma resposta clara a essa pergunta.


5.  EVAPORAÇÃO VS. EVAPOTRANSPIRAÇÃO

Para entender a relação entre clima e vegetação, examinamos os papéis da evaporação e evapotranspiração no contexto da mesoescala e dos balanços hidrológicos regionais. Para fornecer uma base comum, estes e termos relacionados são definidos aqui:

  1. A evaporação é um processo físico-químico pelo qual a água dos corpos d'água, da superfície e próxima à superfície da Terra é vaporizada e devolvida à atmosfera.

  2. A transpiração é um processo fisiológico pelo qual as plantas bombeiam a umidade do solo e a transportam para cima através de suas raízes e percorrem em direção à superfície da folha, onde fica disponível para evaporação.

  3. A evapotranspiração refere-se ao efeito combinado de transpiração e evaporação.

  4. A evapotranspiração potencial é a evapotranspiração que ocorreria sob condições em que há um grande suprimento de umidade o tempo todo.

  5. A evapotranspiração real é a evapotranspiração que ocorreria sob condições em que a umidade é limitante.

Em um ecossistema terrestre, a evaporação é produzida a partir de três fontes:

  1. De superfícies vegetadas, por meio da transpiração,

  2. De superfícies não vegetadas, ou seja, solo nu e características culturais da paisagem (calçadas, telhados etc.), e

  3. De corpos d'água, como lagos naturais, rios e reservatórios e lagoas de superfície.

Na prática hidrológica, no entanto, o uso do termo "evaporação" é restrito ao de um ecossistema aquático, isto é, um corpo d'água como um lago, rio, reservatório ou oceano. Por outro lado, o termo "evapotranspiração" refere-se à evaporação total de um ecossistema terrestre, que compreende:

  1. Evapotranspiração propriamente dita, isto é, a evaporação das superfícies vegetadas; e

  2. Evaporação, isto é, a evaporação de superfícies não vegetadas e a evaporação de corpos d'água.


6.  BALANÇOS HIDROLÓGICOS GLOBAIS E REGIONAIS

As áreas da Terra são divididas em: (1) áreas fechadas, que não possuem escoamento, e (2) áreas periféricas, que possuem escoamento mensurável. Da precipitação que cai anualmente na superfície terrestre, em média, 64% da água é devolvida à atmosfera por evaporação e evapotranspiração e 34% é escoada para os oceanos (isto é, a carga dos rios). Os 2% restantes constituem o fluxo direto das águas subterrâneas para os oceanos (L'vovich, 1979). Como o último é relativamente pequeno comparado aos outros três (evaporação, evapotranspiração e escoamento), é costume negligenciá-lo por motivos práticos.

No contexto regional, o balanço hidrológico é controlado pelo clima predominante. Nas regiões semiáridas, a soma de evaporação e evapotranspiração é alta em relação à precipitação, da ordem de 90%. Por outro lado, em regiões úmidas, é provável que a soma da evaporação e evapotranspiração seja de aproximadamente 50% (USDA 1940; L'vovich 1979). A comparação é mais dramática quando se reconhece que um escoamento de 10% em uma região semi-árida pode atingir apenas 50 mm/ano (2 vezes ao ano), enquanto um escoamento de 50% em uma região úmida pode atingir 1.000 mm/ano (40 vezes ao ano).

Uma exceção ao padrão mencionado acima é fornecida pelos charcos e pântanos, geralmente localizados em regiões subúmidas e úmidas, onde a soma da evaporação e evapotranspiração é normalmente superior a 90% da precipitação, com o escoamento sendo reduzido para menos de 10%. Isso se deve ao gradiente superficial pequeno ou desprezível, que age para desencorajar o escoamento, incentivando a evaporação e a evapotranspiração.

Um balanço hidrológico de rotina não distingue entre a evaporação e a evapotranspiração propriamente dita, e geralmente usa um dos dois termos para se referir ao processo combinado. Além disso, a quantidade combinada é considerada uma perda, pelo menos no que diz respeito ao ecossistema terrestre. No entanto, podemos notar que a resposta para a relação entre clima e vegetação está na distinção básica entre evaporação e evapotranspiração. Nas regiões semiáridas, a evaporação é o processo dominante, e a evapotranspiração é a evapotranspiração real, que fica bem abaixo do seu valor potencial. Por outro lado, em regiões úmidas, a evapotranspiração é o processo dominante, atingindo prontamente seu valor potencial, enquanto a evaporação é restrita apenas a dos corpos d'água.

Um balanço hidrológico em uma região semiárida, com 500 mm de precipitação anual, pode ser o seguinte:

  1. 70% da precipitação vai para a evaporação;

  2. 20% para evapotranspiração real, principalmente de xerófitas; e

  3. 10% para o escoamento.

Por outro lado, o balanço hidrológico em uma região úmida, com 2.000 mm de precipitação anual, pode ser o seguinte:

  1. 40% da precipitação é destinada à evapotranspiração potencial de mesófitas e hidrófitas;

  2. 10% para evaporação, principalmente de corpos d'água; e

  3. 50% para o escoamento.

O caso especial de um pantanal talvez seja o seguinte:

  1. 40% da precipitação vai para a evaporação, principalmente de corpos d'água;

  2. 50% para evapotranspiração potencial, principalmente de hidrófitas; e

  3. 10% para o escoamento.

Como mostrou a Tabela 1, o seridó, um ecossistema árido, possui um alto potencial de evaporação (razão evaporação/precipitação na faixa de 2,5 a 5,8); portanto, pouco escoamento. Nesse caso, a evaporação é alta, enquanto a evapotranspiração real da esparsa vegetação xerofítica é baixa. Por outro lado, a mata, um ecossistema úmido, tem um baixo potencial de evaporação (razão evaporação/precipitação geralmente menor que 1,0); portanto, escoamento substancial. Nesse caso, a evaporação, principalmente de corpos d'água, é baixa, enquanto a evapotranspiração da densa vegetação mesofítica é alta, atingindo rapidamente seu valor potencial.

A Figura 2 mostra uma interpretação gráfica dos componentes do balanço hídrico para a faixa de climas existentes no sertão, mostrando o potencial não alcançado de evaporação ou evapotranspiração. Esse potencial não alcançado é substancial para ecossistemas áridos e semiáridos, e próximo de zero para ecossistemas úmidos. Assim, evapotranspiração e evaporação são vistos como processos bastante diferentes. A evapotranspiração é intrínseca ao desenvolvimento da fitomassa, enquanto a evaporação não é. A evapotranspiração é o resultado da vida neste planeta, enquanto a evaporação ocorre na ausência de vida. A evapotranspiração melhora a formação e preservação do solo, enquanto a evaporação não. A evapotranspiração resulta na produção de alimentos e biomassa útil para os animais, enquanto a evaporação não. A evapotranspiração sustenta diretamente a vida, enquanto a evaporação não.

Graphical model of he water balance for a wide range of climatic conditions

Fig. 2  Modelo gráfico do balanço hídrico para uma ampla variedade de condições climáticas.

O albedo das superfícies vegetadas, bem como o de corpos d'água, é menor que o albedo de superfícies não vegetadas. Assim, superfícies vegetadas e corpos d'água são capazes de armazenar mais energia de ondas curtas recebidas, e liberá-las gradualmente como calor de ondas longas, particularmente à noite, onde o calor de ondas longas domina o balanço de radiação. Esse aquecimento da atmosfera mais baixa causa elevação do ar, favorecendo a condensação do vapor d'água e a formação de chuvas (Balek 1983). Assim, a umidade atmosférica resultante da evapotranspiração e evaporação dos corpos d'água tem uma tendência a condensar e precipitar de volta, enquanto a resultante da evaporação das superfícies não vegetadas não. Quanto mais densa e mais verde a superfície vegetada, mais acentuado é o efeito de recirculação (Salati et al. 1978; Salati et al. 1979; Salati e Vose 1984).

Com base na análise anterior, conclui-se que os ecossistemas áridos e semiáridos devem ser manejados com o objetivo de manter ou melhorar a razão entre evapotranspiração e evaporação. Na medida do possível, isso implica a preservação da vegetação nativa para alcançar um equilíbrio entre os ecossistemas naturais (florestas e/ou outros) e antrópicos (agrícolas e/ou urbanos). Um aumento nessa proporção, através do manejo e conservação, aumenta o potencial biótico do ecossistema, do qual todas as formas de vida se beneficiam. Por outro lado, uma diminuição dessa proporção, por meio do desmatamento, pastoreio excessivo e outras formas de degradação da terra, diminui o potencial biótico do ecossistema, comprometendo eventualmente todas as formas de vida.

Vimos que evapotranspiração e evaporação são processos bastante diferentes; assim, deve-se contabilizá-las separadamente, particularmente no manejo de recursos hídricos nas regiões áridas e semiáridas.

O resultado é que o uso humano indevido da vegetação natural leva à eventual substituição da evapotranspiração por evaporação, e à alteração dos climas nano, micro e, eventualmente, até regionais, a longo prazo, e à dessecação gradual do meio ambiente, geralmente de subúmido para semiárido e de semiárido para árido.

As regiões áridas e semiáridas apresentam padrões irregulares de chuvas que levam a secas recorrentes, muitas vezes seguidas por inundações destrutivas. As regiões subúmidas são menos afetadas pelas secas, enquanto as regiões úmidas são quase livres delas. No nordeste brasileiro, o seridó é caracterizado por um regime de chuvas de 8 meses secos por ano e a caatinga de 7 a 9 meses secos por ano. Por outro lado, a mata possui apenas 4 a 5 meses secos por ano (Duque 1973). Essa variabilidade sazonal não retrata todo o cenário, porque a variabilidade diária pode ser ainda mais acentuada. Duque (1973) concluiu que um ano de seca no sertão pode ser o ano em que chove cerca de metade da precipitação anual em apenas 1 mês, e cerca de metade da precipitação desse mês em apenas 1 dia.


7.  O CASO DO MANEJO E CONSERVAÇÃO

Em seus estudos sobre a hidrologia do sertão, Silva (1937) observou:

"As florestas conservam o frescor do ambiente, e a evaporação nas florestas é muito menor que a evaporação nas planícies. As florestas retêm umidade, apenas para liberá-la gradualmente no ar e no solo do ambiente. É evidente, então, que as florestas exercem uma ação benéfica sobre o regime hidrológico, regularizando-o."

Assim, o objetivo do manejo e conservação de um ecossistema árido/semiárido deve ser preservar a razão entre evapotranspiração e evaporação. Isso implica o estabelecimento de políticas de conservação e o desenvolvimento de estratégias e tecnologias para conservar água, solo e nutrientes. Nas regiões já degradadas pelas atividades humanas, o manejo conservacionista pode assumir um papel mais ativo e ter como objetivo interromper e reverter o processo de degradação, eventualmente retornando o ecossistema degradado ao seu antigo estado de estabilidade produtiva.

A conservação da água, do solo e da vegetação é bastante complexa. Seu calcanhar de Aquiles é a natureza de sua distribuição, ou seja, o fato de funcionar melhor quando executado extensivamente nas micro e nanoescalas. Historicamente, são nessas escalas que os seres humanos têm desempenhado um papel de alteradores climáticos. Portanto, se os seres humanos, por meio de suas ações, podem contribuir para a dessecação do clima, também podem, com determinada vontade, contribuir para a umidificação do mesmo. Assim, a vegetação nativa não deve mais ser vista apenas como um recurso a ser explorado, mas também como um instrumento da natureza para a regularização do clima.

Em um contexto social, a conservação da água, do solo e da vegetação é baseada em políticas e leis federais, estaduais e locais, e visa preservar um equilíbrio saudável entre ecossistemas naturais e antrópicos, ao manejar todos com o objetivo comum de conservação.

Em um contexto tecnológico, a conservação da água, do solo e da vegetação é baseada nos seguintes princípios:

  1. A prevenção da erosão em splash. Isso pode ser feito cobrindo a superfície terrestre com cobertura vegetal e/ou serapilheira, para minimizar a erosão pelo impacto das gotas de chuva. A erosão em splash não é apenas a perda do solo em si, mas também pode ser uma causa de perda adicional do solo, contribuindo para o selamento da superfície do solo, o que aumenta muito o escoamento superficial (USDA 1940; Le Bissonnais and Singer 1993).

  2. A diminuição da velocidade do escoamento superficial. Isso limita o potencial do escoamento superficial de se concentrar, ou seja, de atingir uma alta descarga que dura um período de tempo relativamente curto e minimiza as inundações. A diminuição na velocidade do escoamento superficial pode ser realizada:

    1. Cobrindo a superfície terrestre, de preferência com cobertura vegetal baixa, para fornecer inúmeros obstáculos no caminho do escoamento, desse modo aumentando a rugosidade geral e as profundidades do fluxo e, assim, diminuindo a velocidade do fluxo; e

    2. Modificando o micro e o nanorrelevo da superfície terrestre, para reduzir as inclinações do escoamento superficial para níveis manejáveis por meio de terraços, pequenas lagoas de detenção e retenção, arando o contorno, as bacias das árvores, a impressão da terra (Anderson 1987) e outras medidas similares.

  3. A diminuição no volume do escoamento superficial. Isso é feito cobrindo a superfície terrestre com vegetação. A vegetação não apenas protege a superfície terrestre contra o impacto das gotas de chuva e reduz a velocidade do escoamento superficial, mas também aumenta as taxas e quantidade de infiltração, através de macroporos deixados pelas raízes vivas e mortas e pelo aprimoramento da estrutura do solo pela preservação da flora do solo, fauna e processos húmicos relacionados. Geralmente, quanto maior o tamanho e a densidade da vegetação e a atividade biológica no solo subjacente, maior é o efeito "esponja" de um ecossistema vegetado.

Resumindo, um ecossistema árido/semiárido manejado para conservação deve preservar a razão entre evapotranspiração e evaporação. Isso implica a implementação de estratégias e tecnologias para conservar água, solo e nutrientes.

Um ecossistema terrestre pode ser manejado para conservação e, ao mesmo tempo, aumentar a disponibilidade de recursos hídricos para uso humano?

A resposta a esta pergunta permanece ilusiva (Balek 1983). A longo prazo, a disponibilidade de mais água para a evapotranspiração resulta na disponibilidade de mais água para o escoamento, em um tipo de efeito multiplicador semelhante a uma máquina cibernética. Isso se deve ao aumento da taxa de formação do solo, resultando em maior umedecimento da bacia hidrográfica e maior reabastecimento das águas subterrâneas (L'vovich 1979; Ponce e Shetty 1995). Em outras palavras, quanto mais água for evapotranspirada, mais água estará disponível para o escoamento a longo prazo. O inverso vale a pena repetir: quanto menos água for evapotranspirada, menos água haverá para escoamento.

Para elaborar esse ponto, comparamos os coeficientes típicos de escoamento superficial para as regiões áridas/semiáridas e subúmidas/úmidas do mundo. Bacias em regiões áridas/semiáridas têm coeficientes de escoamento de 0,05 a 0,2, enquanto bacias em regiões subúmidas/úmidas têm coeficientes de escoamento de 0,3 a 0,5 e podem até ser altos em certos casos (L'vovich 1979). Por exemplo, o coeficiente de escoamento superficial do Riacho Feiticeiro, um afluente do rio Jaguaribe, no coração do sertão do Ceará, é de 0,09. Por outro lado, o coeficiente de escoamento superficial da bacia úmida da Amazônia é de 0,45 (Salati et al. 1979). No entanto, a evapotranspiração de regiões úmidas excede em muito a evapotranspiração real de regiões áridas. A culpa disso não é da evapotranspiração, mas da alta evaporação das superfícies não vegetadas que prevalecem nas regiões áridas/semiáridas. Assim, é o caso da conservação de ecossistemas terrestres áridos/semiáridos como ferramenta preeminente do manejo climático a longo prazo.


8.   ESTUDO DE CASO 1: O REGIME DE PRECIPITAÇÃO E EVAPOTRANSPIRAÇÃO DA BACIA AMAZÔNICA

A bacia do rio Amazonas compreende uma área de aproximadamente 7.000.000 km2 nas partes central e leste da América do Sul, abrangendo parte da Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Brasil. A região é um ecossistema úmido que compreende uma floresta tropical com abundância de chuvas. As chuvas, no entanto, não são distribuídas uniformemente na bacia. Em Belém, Pará, perto da foz do rio Amazonas, a precipitação média anual é de 2.600 mm. No noroeste, perto da fronteira Brasil-Colômbia, atinge um máximo de 3.600 mm. No entanto, em direção ao sul, na região de transição para o escudo brasileiro, os isoeitas anuais médias são de cerca de 2.000 mm (Sioli 1985).

Uma característica desse imenso ecossistema terrestre úmido é sua rápida recirculação de umidade, das chuvas à evapotranspiração, e novamente à chuva. Salati et al. (1978; 1979) e Salati e Vose (1984) revelaram que aproximadamente 50% das chuvas na bacia do baixo Amazonas retornam diretamente à atmosfera, apenas para condensar e cair novamente. Dessa maneira, as diferenças de precipitação entre as estações chuvosa e seca são substancialmente atenuadas e a intensidade de secas e inundações é diminuída.

Está claro, então, que o ecossistema da floresta amazônica influencia seus próprios regimes climáticos e pluviométricos e que, pelo menos nesse caso, mais vegetação produz mais evapotranspiração, e mais evapotranspiração significa mais chuva e certamente mais escoamento. Nota-se que a bacia do rio Amazonas possui um escoamento médio anual estimado em 220.000 m3s-1 em sua foz (UNESCO 1978), totalizando aproximadamente um sexto do escoamento total contribuído para os oceanos pelas massas terrestres.


9.  ESTUDO DE CASO 2:  A RAZÃO EVAPORAÇÃO/PRECIPITAÇÃO DA BACIA DO ALTO PARAGUAI

A bacia do alto rio Paraguai compreende uma área de 496.000 km2 no centro-sul da América do Sul, 80% dos quais no centro-oeste do Brasil (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) e os 20% restantes no leste da Bolívia. A bacia abriga o Pantanal de Mato Grosso, o maior pantanal do mundo, abrangendo 136.700 km2. A palavra "pantanal" significa grande pântano, implicando que a região está sujeita a inundações extensas e recorrentes. No entanto, grandes porções do Pantanal são inundadas apenas durante a cheia anual do Alto Paraguai e seus afluentes, e muita terra firme não inundada fica intercalada em toda a região. A mistura de pântano permanente, pântano sazonal e terra firme, bem como a continuidade do Pantanal em quatro grandes ecossistemas sulamericanos (a floresta tropical da Amazônia ao norte e noroeste, o cerrado subúmido do Brasil Central a nordeste, leste e sul, a úmida Mata Atlântica ao sul, e a floresta semiárida do leste da Bolívia e oeste do Paraguai, a oeste e sudoeste) contribuíram para a riqueza e variedade de sua vegetação e fauna.

A bacia do Alto Paraguai apresenta acentuado gradiente climático, de úmido a subúmido, no planalto que circundam o Pantanal até o norte, leste e sul, e semiárido, nas planícies centrais da bacia. A precipitação média anual varia de 1.800 mm na Chapada dos Parecis, ao redor do Pantanal, ao norte, a 850 mm na foz do rio Taquari, no centro da bacia. A evapotranspiração potencial anual varia de 1.300 mm, na Chapada dos Parecis, a 1.400 mm, na foz do rio Taquari. Portanto, as taxas de evapotranspiração/precipitação são de 0,72 para a Chapada dos Parecis e 1,65 na foz do rio Taquari (Alfonsi e Camargo 1986; Alvarenga et al. 1984).

Observa-se que as regiões úmidas do planalto ao redor do Pantanal apresentam baixa razão evapotranspiração/precipitação (0,72), enquanto a região de planície semiárida, localizada no centro da bacia, tem uma alta razão evapotranspiração/precipitação (1,65). Quanto mais mesofítica a vegetação, menor a evapotranspiração potencial (e real), com a evaporação reduzida a apenas de corpos d'água. Por outro lado, quanto mais xerofítica a vegetação, maior o evaporação potencial, com a evapotranspiração reduzida à evapotranspiração real das plantas xerófitas.


10.  ESTUDO DE CASO 3: CONSERVAÇÃO DO SOLO E DA ÁGUA COM O PROGRAMA NACIONAL DE MICROBACIAS DO BRASIL

Em 1975, o governo do estado do Paraná, Brasil, vinculou a concessão de créditos agrícolas à execução de obras de conservação do solo. O programa, no entanto, teve sucesso limitado porque os trabalhos de conservação foram realizados usando a propriedade do agricultor, e não a bacia hidrográfica abrangente, como uma unidade de manejo. Dessa maneira, a solução de conservação de um agricultor individual se tornou um problema do vizinho ou de outra pessoa. Gradualmente, ficou claro que essa estratégia estava fadada ao fracasso.

Aprendendo com esse erro, o foco do manejo e conservação acabou mudando de cada propriedade individual para a microbacia como um todo, abrangendo uma bacia hidrográfica de cerca de 2.500 ha. Isso levou ao estabelecimento, em 1987, do Programa Nacional de Microbacias Hidrográficas (PNMH). Entre os objetivos específicos do PNMH, estão:

  1. Um manejo adequado dos recursos naturais renováveis, principalmente solo e água;

  2. Uma diminuição nos riscos de secas e inundações; e

  3. Uma redução dos processos de degradação do solo, principalmente erosão.

Em Cruz Alta, Rio Grande do Sul, Brasil, as técnicas de manejo e conservação são aplicadas desde 1985. Uma das primeiras medidas de conservação foi a construção de terraços ao longo do limite da propriedade, elimando as cercas. Dessa forma, melhorou-se a retenção de água, e o solo tornou-se capaz de absorver 100 mm de chuva, sem escoamento significativo. Outras medidas aplicáveis de conservação do solo e da água também foram implementadas e o sucesso do programa não demorou a ser divulgado. Até a presente data, o Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas do Rio Grande do Sul atingiu 155 municípios, compreendendo 315 microbacias, 12.000 famílias e 294.000 ha de terra. Além da conservação do solo, a água aparentemente também foi conservada, porque a produtividade dos grãos de soja aumentou 54%, milho 85%, trigo 40% e feijão 74% (Globo Rural 1993).

No estado do Paraná, a microbacia São Roque, no município de Realeza, próximo às fronteiras da Argentina e do Paraguai, vêm aplicando medidas de conservação nos últimos anos. A bacia está localizada em terreno íngreme e rochoso, não adequado para agricultura na ausência de manejo. A renovada ênfase na conservação do solo e da água tornou viável todas as pequenas propriedades rurais da região. A construção de terraços para sustentar a água e o solo e a aplicação de técnicas como descompactação do solo, rotação de culturas e adubo verde, dobraram a produtividade do solo em apenas 2 a 3 anos.

Outros exemplos, como o de Tupãssi, no oeste do Paraná, mostram que o manejo da conservação funciona melhorando a retenção de água e, ao mesmo tempo, reduzindo a erosão. Os créditos agrícolas estavam ligados à construção de terraços, e o apoio aos agricultores rapidamente aconteceu. A terra agora é capaz de sustentar 150 mm de chuva em algumas horas, sem escoamento superficial (Globo Rural 1993).

O sucesso do PNMH no Sul do Brasil mostra conclusivamente que o manejo da conservação pode levar à substituição da evaporação por evapotranspiração, mesmo no caso dos ecossistemas antrópicos agrícolas.


11.  UMA ESTRATÉGIA PARA A SOBREVIVÊNCIA DO SERTÃO

A partir da justificativa do manejo conservativo, esboçamos agora uma estratégia abrangente para o manejo do ciclo de secas e inundações no semiárido do nordeste brasileiro. A estratégia consiste nas cinco medidas a seguir, em ordem de importância:

  1. Manejo e conservação,

  2. Silvicultura e agricultura de xerófitas,

  3. Armazenamento de águas superficiais,

  4. Uso da água subterrânea, e

  5. Transferência de água entre bacias.

A estratégia fundamental é o manejo e conservação, sem o qual os demais acabam fadados ao fracasso. O manejo e conservação envolve a conservação dos recursos hídricos, do solo e dos nutrientes do semiárido nordestino brasileiro, com o objetivo de preservar a razão entre evapotranspiração e evaporação. Na prática, isso significa a formulação de políticas e leis, e a implementação de estratégias e tecnologias para conservar a vegetação natural e reter água, solo e nutrientes. As práticas agrícolas devem se concentrar nas técnicas de agricultura sustentável, sem as quais o solo, a terra e a degradação ambiental logo se instalam.

Duque (1949; 1964; 1973; 1982) foi pioneiro nas lavouras xerófilas, isto é, a prática da silvicultura e agricultura usando vegetação nativa, bem adaptada às condições climáticas adversas do sertão. Algumas dessas plantas xerófitas são capazes de sobreviver às condições de seca acumulando reservas dentro de seus organismos, outras consumindo quantidades relativamente pequenas de água e outras absorvendo a umidade da atmosfera à noite. As lavouras xerófilas são, de fato, produtos para exportação, além de matérias-primas valiosas, adequadas para diversos usos. Duque (1982) observou:

"Foi o algodão de boa qualidade, a oiticica das planícies aluviais, a mamona dos xistos arenosos e o caroá da caatinga que permitiram aos trabalhadores do norte criar o parque industrial de têxteis, óleos vegetais, corantes, etc., e proporcionaram uma ocupação honesta às classes trabalhadoras, agregando valor ao produto final."

Duque (1964; 1982) aponta as muitas vantagens das culturas xerofíticas; são elas:

  1. Resistência à seca,

  2. Perenidade,

  3. Geração de produtos para exportação,

  4. Incentivo ao desenvolvimento da indústria local,

  5. Fornecimento de cobertura do solo para controle da erosão, e

  6. Elas são bem conhecidas pelos agricultores locais.

Os benefícios do manejo e conservação são uma função da escala e intensidade do manejo. Embora os benefícios dos projetos de conservação em pequena escala geralmente tenham resultados imediatos, os benefícios dos projetos de grande escala podem levar anos, ou mesmo décadas, para terem resultados. Enquanto isso, uma política de armazenamento de águas superficiais para melhorar os efeitos de secas e inundações deve estar em vigor. Esta política prevê alívio imediato à seca e inundação; no entanto, como única política de controle de secas e inundações, é contraproducente, porque incentiva a evaporação dos corpos d'água em detrimento da evapotranspiração. Note-se que uma gota de água que evapora diretamente é uma gota que não evapotranspira; portanto, não se concretiza na produção de biomassa. Além disso, as populações humanas tendem a se concentrar nas proximidades dos reservatórios, aumentando a pressão sobre os frágeis ecossistemas semiáridos.

Cerca de 3 trilhões de metros cúbicos de água ficam a muitas profundidades no sertão do nordeste brasileiro (Globo Ciencia 1993). Esses depósitos estão localizados principalmente ao longo das zonas de fratura do Cristalino e em formações sedimentares. Estima-se conservadoramente que cerca de dois bilhões de metros cúbicos dessa água possam ser explorados anualmente para irrigação, sem esgotamento significativo das águas subterrâneas. No entanto, alguns cientistas afirmam que as águas subterrâneas do Cristalino são salinas, tornando-as impróprias para uso agrícola ou humano. Com uma regulamentação apropriada para uso desse recurso e com tecnologia aprimorada de dessalinização, as águas subterrâneas da região podem eventualmente contribuir para o desenvolvimento sustentável do sertão.

A transferência de água entre bacias é mais uma estratégia para lidar com os problemas de seca do sertão. Depois de Silva (1937), que delineou a transferência de água da bacia do rio São Francisco, outros esquemas igualmente ambiciosos foram propostos, incluindo a transferência de água dos rios Parnaíba e Tocantins, localizados a noroeste, nos estados do Piauí e Maranhão. Até hoje, a água ainda precisa ser importada para o sertão.

A idéia de importar água para o sertão seco merece uma análise mais aprofundada. O raciocínio ecológico básico ajuda a esclarecer essa questão. O sertão é semiárido e a falta de água é endêmica. As bacias dos rios Parnaíba e Tocantins são úmidas e possuem um amplo suprimento de água. A experiência nos diz que os ambientes semiáridos tropicais, quando manejados adequadamente, tendem a ser mais saudáveis do que seus vizinhos úmidos. Em condições de excesso de água, a floresta amazônica é um bom exemplo, muitas espécies prosperam, incluindo insetos e outras que são prejudiciais aos seres humanos. O mais importante, porém, é que os ecossistemas tropicais úmidos, como a bacia amazônica, tendem a ser pobres em nutrientes exportáveis, baseando-se na recirculação imediata de uma quantidade relativamente pequena, a ser usada repetidamente (Salati e Vose 1984). Assim, a espécie humana tem uma tendência natural a se esforçar em direção ao meio do espectro climático, povoando prontamente regiões semiáridas e subúmidas, onde as chances de manutenção e sobrevivência são maiores (Lugo e Morris 1982).


12.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

A região Nordeste do Brasil e sua crescente população continuarão, num futuro próximo, a ser confrontados com a perspectiva de secas e inundações. A abordagem laissez-faire para o problema é continuar construindo meios de armazenamento na superfície para armazenar cada vez mais água, enquanto a própria água permanece como um recurso escasso e ausente.

Uma abordagem integral do problema leva a uma estratégia quíntupla, com o manejo e conservação como chave. Um aumento da confiança na agricultura xerófita, o uso criterioso das águas superficiais e subterrâneas e a eventual importação de água das bacias úmidas vizinhas complementam a estratégia geral.


REFERÊNCIAS

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191104 13:00

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