São avaliados neste Relatório, os impactos hidrológicos e ambientais que o proposto
projeto de navegação Hidrovia exercerá no Pantanal Matogrossense. O Pantanal é uma
depressão sazonalmente inundada, caracteristicamente um banhado ou alagadiço, inte
gralmente contido na Bacia do Alto Paraguai, e abrange uma área de 136 700 km2 nos
estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no Centro-Oeste Brasileiro. O Projeto
Hidrovia contempla melhorias nas condições de navegação ao longo do atual canal do
sistema Paraná-Paraguai, o qual interliga cinco países sul americanos: Argentina,
Bolívia, Brasil, Paraguai, e Uruguai. O projeto considera extensas obras de engenharia
fluvial, incluindo retificação de trechos de canal, dragagens, derrocamento de leito e
outras intervenções de caráter estrutural, para tornar 3442 km do rio navegáveis para
embarcações oceânicas. A região afetada compreende desde seu ponto mais a jusante
em Nueva Palmira, Uruguai, até o ponto mais a montante em Cáceres, Brasil, próximo
às cabeceiras do Alto Paraguai. A questão em foco é o impacto que extensas modifi
cações no canal do rio causarão no Pantanal Matogrossense, a maior extensão de pânta
nos (ou áreas alagáveis) remanescente no mundo
As melhorias nas condições de navegação certamente vão provocar um impacto subs-tancial no regime de cheias do Alto Paraguai. O grau desse impacto irá variar de pendendo do tipo, extensão e localização das intervenções ao longo do rio. Em particu lar, obras de retificação no canal a montante de Corumbá vão acelerar a concentração do escoamento e aumentar o pico da onda de cheia em Ladário, um ponto chave de referência no Pantanal, durante cheias médias altas (2 anos), extraordinárias (4 anos), e excepcionais (10 anos). O Alto Paraguai a montante de Porto São Francisco (localizado 146 km a montante de Corumbá) é incapaz, sem extensos aprofundamentos artificiais de canal, de acomodar embarcações oceânicas (requerendo pelo menos 3 m de calado) ao longo do ano. Atualmente, autodragagem, o processo natural de autolimpeza ou aprofundamento de leito do rio, proporciona uma profundidade mínima de 1.2 m, ex ceto onde afloramentos rochosos não permitem que a auto-dragagem se processe O perfil longitudinal do Alto Paraguai é convexo, quando observado de cima, reve lando a presença de controles geológicos substanciais. Esses controles operam na formade afloramentos rochosos nas margens ou soleiras rochosas no meio do canal. O Pan tanal existe principalmente devido a esses controles geológicos, os quais influenciam ospadrões regionais de escoamento em pelo menos três locais: Amolar, Porto da Manga e Fecho dos Morros. As soleiras rochosas funcionam como barragens naturais; se forem removidas, extensas áreas do Pantanal não serão mais sujeitas a inundações sazonais. O derrocamento das soleiras rochosas como meio de aprofundar o canal navegável causará um impacto irreversível na hidrologia do Alto Paraguai. Além disso, a remoção de uma soleira rochosa pode causar o aparecimento de outra, previamente submersa. Essa é uma possibilidade real no Alto Paraguai, onde tem sido documentada a ocorrência de afloramentos rochosos a cada 40 km em média, e onde as declividades prevalecentes no canal são tão suaves (en torno de 1-2 cm/km) que o efeito de remanso causado por uma obstrução de 0.5 m ao escoamento pode ser observado por cerca de 400 km a mon tante. A aceleração da concentração do escoamento causada por melhorias nas condições de navegação irá intensificar a maioria das cheias anuais, poderá reduzir o período de retorno de secas multianuais, e poderá eventualmente, causar alterações climáticas re gionais, no sentido de intensificar a aridez. O Pantanal existe porque suas características climáticas/geológicas/geomorfológicas o condicionam a reter água, sedimentos e nutrientes. O aumento da magnitude das cheias irá resultar em um aumento nas perdas de sedimentos e nutrientes. A inundação anual de extensas áreas do Pantanal serve ao propósito duplo de con trole efetivo do esgotamento das pastagens e reposição de nutrientes para o solo. Além disso, o pulso sazonal de cheia é instrumental na manutenção de extensos campos, desde que tipos de vegetação competitivas, particularmente as espécies lenhosas, não são bem adaptadas a alternância de saturação e ressecamento extremos. Mudanças no regime hidrológico resultando em um aumento na intensidade das che ias e secas irão comprometer a reposição de nutrientes no Pantanal e conduzirão a um decréscimo na productividade biótica. Essas mudanças irão produzir uma sucessão de espécies lenhosas sobre as herbáceas, o que irá eventualmente, mudar o caráter domi nante do Pantanal, de floresta mista de savana (ou savana parque) para floresta mésica.As áreas de campos abertos irão diminuir e a atividade pecuária será impactada negativa mente. |