3 the science of global warming: good, bad, and ugly, Svante Arrhenius, Victor Miguel Ponce, San Diego State University






Svante Arrhenius
Svante Arrhenius
  


A CIÊNCIA DO AQUECIMENTO GLOBAL:

BOM, MAU OU FEIO?


Victor M. Ponce

2011

[Traduzido do Inglês por Samara Salamene]


A ciência do aquecimento global existe há mais de um século. Já em 1896, Svante Arrhenius, cientista e engenheiro sueco, publicou um artigo intitulado "Sobre a influência do ácido carbônico no ar sobre a temperatura do solo" , onde expôs claramente a ciência do aquecimento global.1 O trabalho vitalício de Arrhenius, que durou quase cinco décadas, foi além dos campos da física e da química para abranger as [novas] disciplinas de físico-química, geofísica, astrofísica, geoquímica e bioquímica.2 Em 1903, Arrhenius ganhou o Prêmio Nobel de Química por sua teoria eletrolítica da dissociação de substâncias iônicas após sua dissolução na água, assunto de sua tese de 1884. Mais tarde, Arrhenius dedicou sua energia ao avanço da tecnologia e da ciência popular. Entre 1906 e 1925, ele escreveu onze livros popularizando a ciência e resumindo o progresso científico.2 De qualquer forma, as credenciais e realizações científicas de Svante Arrhenius são excepcionais.

No meio de sua carreira, Arrhenius ficou fascinado pelo papel do dióxido de carbono no controle do clima. Seu trabalho seminal sobre o assunto foi o artigo publicado em 1896 (op. cit.). Pode-se perguntar o quão bom foi este artigo, uma vez que foi publicado há mais de um século. Primeiro, devemos reconhecer que o dióxido de carbono era conhecido como ácido carbônico quando Arrhenius estava escrevendo, portanto, está claro no título do artigo que ele estava se referindo ao problema que estamos enfrentando agora.

Em 2004, o vice-presidente Al Gore colocou o aquecimento global na arena da opinião pública mundial. Antes desse período, e até hoje, os céticos rotularam a ciência do aquecimento global como mau. No entanto, o rótulo tem menos de vinte anos, o que significa que apenas recentemente essa ciência foi referida como "ruim". Por mais de oitenta anos, o aquecimento global foi amplamente ignorado pela maioria das pessoas, aparentemente porque elas não foram afetadas diretamente por suas consequências. Agora que o aquecimento global está aqui e que ameaça afetar a vida das pessoas, de repente também é feio. Há quem defenda que a fixação do aquecimento global causará danos irreparáveis à economia mundial, presumivelmente na crença de que a saúde da economia mundial deve ter precedência sobre a sobrevivência da biosfera como a conhecemos.

Mas vamos examinar o trabalho do homem que deve ter sido um dos primeiros a passar muitas horas de estudo e reflexão sobre a ciência do aquecimento global: Svante Arrhenius. O artigo dele é magistral; infelizmente, sua linguagem científica limita seu apelo a um público amplo. Neste artigo, procuramos revisitar o trabalho de Arrhenius, na esperança de lançar uma luz adicional sobre o assunto. O leitor interessado pode ponderar se o aquecimento global é bom, mau ou feio e, consequentemente, tomar um posicionamento que convém a ele/ela como um habitante preocupado e informado da Terra.

A primeira pergunta de Arrhenius foi:


"A temperatura média do solo é de alguma forma influenciada pela presença de gases absorvedores de calor na atmosfera?"

Ele argumentou que o ar retém o calor de duas maneiras: (1) por difusão seletiva à medida que o calor passa pelo ar; e (2) por absorção, uma vez que alguns constituintes atmosféricos absorvem grandes quantidades de calor. O nitrogênio (N2) e o oxigênio (O2), constituintes primários da atmosfera, são moléculas diatômicas homonucleares, muito fortemente unidas para poder absorver o calor por vibração. A absorção seletiva do calor é realizada pelo dióxido de carbono (CO2) e vapor de água (H2O), que estão presentes no ar em pequenas quantidades. Essas duas moléculas consistem em dois elementos e mais de dois átomos, unidos frouxamente o suficiente para serem capazes de vibrar um pouco com a absorção da radiação infravermelha [calor] (Fig. 1). Eventualmente, a molécula vibratória emitirá a radiação novamente e provavelmente será absorvida por outra molécula. Esse ciclo de absorção-emissão-absorção serve para manter parte do calor perto da superfície da Terra, isolando-a do frio do espaço sideral. Outros compostos de absorção de calor, como o metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) também estão presentes na atmosfera, embora em concentrações menores.

Heat absorption of carbon dioxide molecule through vibration<br>
(Source: University Corporation for Atmospheric Research
Fig. 1   Absorção de calor da molécula de dióxido de carbono por vibração
(Fonte: University Corporation for Atmospheric Research).

Arrhenius calculou os coeficientes de absorção de calor do dióxido de carbono e vapor de água, permitindo tirar conclusões sobre o balanço térmico do ar próximo ao solo. Então, ele decidiu calcular a fração de calor que seria absorvida pela atmosfera da Terra contendo quantidades selecionadas de dióxido de carbono e vapor de água. Ele desenvolveu uma tabela para expressar a transparência da atmosfera [isto é, sua capacidade de transmitir calor] em função de quantidades específicas de dióxido de carbono e vapor de água (Tabela III, op. cit.). Previsivelmente, quanto maior a concentração de um desses gases, menor é a transparência da atmosfera e, conseqüentemente, maior é sua capacidade de absorver calor.

Arrhenius então fez uma segunda pergunta:


"Como a temperatura do solo depende do poder de absorção do ar?"

Ele argumentou que a Terra estava em equilíbrio térmico a partir de fontes naturais durante um período de um ano. Assim, ele foi capaz de se concentrar nas mudanças na temperatura do ar devido a mudanças na transparência do ar [absorção]. Usando matemática finita [análise numérica], ele realizou um balanço térmico da atmosfera mais baixa, o que lhe permitiu calcular as mudanças anuais médias de temperatura nas latitudes para variações postuladas na concentração de dióxido de carbono. Ele desenvolveu uma tabela mostrando aumento/ diminuição de temperatura nas latitudes para as seguintes proporções de níveis futuros de dióxido de carbono: 0,67, 1,5, 2,0, 2,5 e 3,0 (Table VII, op. cit.). A partir desta esta tabela, uma duplicação da quantidade de dióxido de carbono produziria um aumento de temperatura variando de um mínimo de 4.95oC perto do Equador (amplitude latitudinal 0-10o N ou 0-10o S), para um máximo de 6.05oC no Ártico (amplitude latitudinal 60o-70o N). Esse último feito é notável pois, mais de cem anos depois, a questão ainda é objeto de muito debate. Arrhenius concluiu, com base em cálculos e análises detalhados, que um aumento geométrico no dióxido de carbono causaria um aumento aritmético na temperatura do ar.

É interessante notar que o que pode ter inspirado a extraordinária descoberta científica de Arrhenius, para não falar de sua meticulosa diligência, não foi tanto o aquecimento global, mas o resfriamento global [lembre-se de que ele estava morando na Suécia]. Como o fenômeno pode ocorrer de várias maneiras, ele se preocupou com a provável causa da última era glacial (Fig. 2). Ele argumentou que suas descobertas poderiam justificar variações de temperatura de 5oC-10oC e que a mudança poderia ocorrer de várias formas, dependendo das circunstâncias.

Ice cover during the last Ice Age  
Fig. 2  Cobertura de gelo durante a última era glacial.

Evidências geológicas apontam para a certeza de que, durante o período Terciário, a temperatura do Ártico deve ter excedido a temperatura atual (1896), provavelmente entre 8oC-9oC. Por outro lado, as medidas do deslocamento da linha de neve sugerem que durante a Era do Gelo a temperatura deve ter sido 4oC-5oC mais baixa que a presente. Isso levou Arrhenius a fazer uma terceira pergunta:


"Quanto o dióxido de carbono deve variar para que a temperatura atinja os mesmos valores do período Terciário e da Era do Gelo, respectivamente?"

Os seus cálculos mostraram que a temperatura no Ártico subiria cerca de 8oC-9oC, se o dióxido de carbono aumentasse em 2,5 a 3,0 vezes o nível presente (1896). Do mesmo modo, mostrou que, a fim de obter a temperatura da Era do Gelo entre os paralelos 40o e 50o, o dióxido de carbono no ar teria que cair a 0,62-0,55 do seu nível atual.

Finalmente, Arrhenius fez uma pergunta crucial:


"É provável que tais variações no dióxido de carbono possam ter ocorrido em tempos geológicos relativamente curtos?"

Sobre esta questão, Arrhenius diferiu de seu colega, Prof. Högbom, citando-o extensivamente. Quando o dióxido de carbono no ar [assumindo 300 ppmv, c. 1896] se espalha uniformemente pela Terra, produz uma camada de carbono com 1 mm de espessura. Como essa quantidade se compara com as quantidades que estão sendo transformadas pela natureza e pelos seres humanos? De acordo com Arrhenius, o uso industrial de carvão no mundo (500.000.000 toneladas por ano, c. 1896) equivale a uma camada de 0,003 mm (Fig. 3). [Para comparação, em 2007, o consumo mundial de carvão era de 6.300.000.000 toneladas e o de petróleo era 4.891.000.000 toneladas]. No geral, a quantidade total de dióxido de carbono fixado em formações sedimentares é cerca de 25.000 maior que a quantidade presente no ar (op. cit.). Toda molécula de carbono enterrada sob a superfície da Terra deve ter existido e passado pela atmosfera ao longo do tempo geológico. Assim, a probabilidade de variações substanciais na quantidade de dióxido de carbono no ar é muito real, embora nem todas as variações possam sempre ter ocorrido na mesma direção.

  
Fig. 3  Antracito (mineral de carbono).

Um balanço da massa de carbono levou Arrhenius a concluir que a principal fonte de carbono juvenil [isto é, novo] no ar são as erupções vulcânicas. Os vulcanologistas reconhecem que essa fonte nem sempre flui regularmente e uniformemente através das eras. Portanto, as variações naturais do dióxido de carbono na atmosfera (aumento ou diminuição) devem ser associadas a variações naturais na quantidade de dióxido de carbono liberada pela atividade vulcânica.

Observamos que, embora Arrhenius não tenha sugerido explicitamente que a queima de combustíveis fósseis causaria o aquecimento global, é claro em seu artigo que ele sabia que os combustíveis fósseis são uma fonte potencialmente significativa de dióxido de carbono. Arrhenius não poderia ter previsto o aumento enorme no consumo de combustíveis fósseis após a invenção e o uso generalizado de automóveis, trens, navios, aviões e outros meios de transporte autopropulsado. Além disso, ele não poderia ter previsto as melhorias substanciais no saneamento e na saúde pública, que levaram à explosão da população do século XX. No entanto, dentro de sua perspectiva limitada, ele ainda concluiu que grandes variações no dióxido de carbono atmosférico eram realmente prováveis. Ainda, ele não poderia prever que os seres humanos depois se engajariam em um experimento [com a nossa Terra, o protótipo por excelência] de proporções abrangentes e impacto global: a queima indiscriminada de combustíveis fósseis para apoiar a atividade econômica sustentada que caracterizou o século XX.

As previsões de Arrhenius foram recebidas com grande interesse pela comunidade científica mundial, mas diminuíram com o tempo até Carl Rossby iniciar as medições atmosféricas de dióxido de carbono na década de 1950.2 A questão do efeito estufa de Arrhenius foi abordada como um tópico importante para o Ano Geofísico Internacional de 1957-1958. Como acompanhamento, foram realizadas medições permanentes de dióxido de carbono sob a liderança de Charles Keeling, da Scripps Institution of Oceanography, Califórnia. Graças à habilidade e perseverança de Keeling, agora há um registro de cinco décadas de medições de dióxido de carbono, apontando claramente para um padrão de crescimento estável (Fig. 4). A concentração de dióxido de carbono está atualmente (2017) em 404 ppmv e subindo cerca de 2 ppmv anualmente. Isso coloca muito além da dúvida o fato de que os humanos agora substituíram os vulcões como os principais agentes das mudanças geofísicas globais.

The Keeling graph

Fig. 4  O gráfico de Keeling.

Existe alguma evidência direta de que o mundo esteja ficando mais quente? O Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA, em Nova York, desenvolveu um gráfico mostrando as medidas da anomalia média global da temperatura terra-oceano, de 1880 até o presente (Fig. 5). Este gráfico mostra claramente um aumento de cerca de 0,6oC nos últimos cinquenta anos. Assim, um aumento de 22% no dióxido de carbono atmosférico aparentemente levou a um aumento de 0,6oC de acordo com a NASA. Seguindo essa tendência, uma duplicação do dióxido de carbono levaria a um aumento de 2,72oC na anomalia de temperatura. Os cálculos de Arrhenius não estariam muito longe.

Global annual mean land-ocean temperature anomaly, 1880-present

Fig. 5  Anomalia da temperatura média anual terra-oceano global, 1880-presente (oC) (Fonte: NASA).

Para encerrar, Arrhenius estava essencialmente correto ao identificar e calcular a capacidade de regulação do clima pelos gases de efeito estufa na atmosfera, em particular o dióxido de carbono. O sistema pretendia que a natureza fosse cibernética, ou seja, autocontrole, com períodos de aquecimento seguidos por períodos de resfriamento. No entanto, ao longo do último meio século, os seres humanos têm se esforçado para jogar uma chave inglesa no sistema natural, desestabilizando-o. O feedback positivo resultante agora ameaça desativar o funcionamento cibernético da ecosfera.

Um pensamento final: o dióxido de carbono atmosférico age como uma manta, impedindo que parte do calor abaixo dele escape para o espaço. Quanto maior a quantidade de dióxido de carbono, mais espessa a manta e, consequentemente, maior a quantidade de calor retido. Embora a espessura real da manta esteja sujeita a variações sazonais (visto na Fig. 4), a tendência definitivamente ascendente dos últimos cinquenta anos deve ser motivo de preocupação. A manta está ficando mais grossa com o tempo, independentemente das estações do ano; ficou 22% mais espessa nos últimos cinquenta anos. Esta pode ser a razão pela qual muitas geleiras ao redor do mundo estão recuando; veja, por exemplo, as Figuras 6 e 7.

Gangotri glacier, the Himalayas, in recession

Fig. 6  Geleira Gangotri, no Himalaia, em recessão (Fonte: NASA).

Fig. 7  O Glaciar Ururashraju, na Cordilheira Branca, Peru, recuou cerca de 500 m entre 1986 e 1999
(Créditos: fotografia de Gary Braasch).


1 Arrhenius, S., 1896. On the influence of carbonic acid in the air upon the temperature of the ground. Philosophical Magazine and Journal of Science, Series 5, Vol. 41, No. 251, April, 237-276.
2 Arrhenius, G., K. Caldwell, and S. Wold. 2008. A tribute to the memory of Svante Arrhenius (1859-1927), a scientist ahead of his time. Presented at the 2008 Annual Meeting of the Royal Swedish Academy of Engineering Sciences, Stockholm, Sweden.
190923 18:20


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